sábado, 30 de janeiro de 2016

Vida de cão #46: Ode ao diálogo




Sou daquelas pessoas a quem "bate forte, mas passa rápido".

Noto que, com o passar dos anos, cada vez me "bate mais forte", ou talvez o que se passa é que prefiro ver-me livre dos maus sentimentos através de uma catarse imediata. Não é bonito de ver, mas é essencial gastar logo toda aquela energia gerada pela irritação.

Ontem quando fui passear o Kiko, tivemos mais uma cena dessas.
Passamos diariamente por uma rua, que é das melhores da localidade para passear o cão, por ser longa, ter um relvado que se estende por todo o seu comprimento, e árvores.
Em frente a uma das casas estão sempre restos de comida, colocados displicentemente em cima da relva, que podem ir de bocados de pão, massa, batatas com sabe-se lá o quê, ossos a latas de atum.

Ontem, no cardápio havia, para além de um resto de batatas com acompanhamento mistério encostadas ao muro da habitação, espinhas de peixe espalhadas pela relva e camufladas por esta.

Nada do que por ali aparece é benéfico para qualquer cão. Tanto que o Kiko embora levado pela gula tente alcançar os restos, sabe que na grande maioria das vezes, essa teimosia só resultará num "Não!" bem audível e se necessário puxões na trela.

Andamos a treinar o comando "dá", que serve tanto para brincar com bolas, como para estas ocasiões em que ele agarra qualquer coisa que não deve. Resulta algumas vezes, nem todas.

 Então, lá estava eu, com um saquinho dos cócós a servir de luva a tirar-lhe as espinhas da boca. Não foi nada fácil, mas consegui. Fiquei foi com um dedo a sangrar, porque ou me espetei com as espinhas ou da pressão dos dentes do Kiko. Nada de especial.

Tentei prosseguir o passeio, embora já furiosa, porque sendo o miúdo certinho que nem um relógio, era importante que ele fizesse um nº2. Que não fez porque andava totalmente desaustinado, parecia querer abocanhar tudo o que aparecia e eu, cada vez mais possessa, achei preferível levá-lo para casa o quanto antes.

Decidi que, após mais de um ano a encontrar restos de comida ali, de ontem não passaria e que iria abordar os donos daquela casa.

Assim fiz. Não sem antes ir tomar um café e fumar um cigarro. Porque até eu, dada a amoks, tenho um nível de inteligência emocional que me permite saber que nunca se deve abordar ninguém quando estamos furiosos.

Como não encontrei nenhuma campainha, coloquei-me ao portão da casa a chamar. Apareceu um senhor com alguma idade e uma senhora mais idosa, que deveria ser sua mãe.
Disse-lhes que precisava de lhes dar uma palavrinha, de lhes pedir um favor. Que lamentava abordá-los na sua casa, mas que depois da aventura de ter que arrancar espinhas da boca do meu cão, coisa que poderia ter acabado numa ida ao veterinário, tinha que lhes pedir que fizessem o favor de não deixar restos de comida na via pública.
O senhor não fazia a mínima ideia do que se passava. Eu voltei a explicar que todos os dias estão restos de comida na outra entrada da casa, a que dava para a rua X. Que em algumas ocasiões até latas de atum abertas, que podem cortar o focinho de um animal mais curioso.
A senhora admitiu que punha lá pão, e tinha lá posto batatas com qualquer coisa, mas nunca latas de atum nem espinhas. Talvez isso fosse da responsabilidade dos vizinhos do lado.

Trocámos pedidos de desculpas pelo incómodo e prometeram-me que não voltaria a acontecer.

E eu terminei a minha tarde com a esperança renovada no poder do diálogo. Que a solução passará sempre, e em primeiro lugar, por abordar com o melhor dos espíritos e das atitudes aqueles que por um qualquer motivo nos incomodam com alguma atitude ou acção.






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